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De cabeça para baixo

Texto e foto de Valéria del Cueto

É agora ou nunca. Ou desenrolo essa crônica ou teremos mais uma semana desse silêncio maior que o buraco negro que devora gulosamente parte do universo. Não é uma ausência de ruído por falta de barulho. Talvez seja por excesso.

Os fatos (atenção, eu disse fatos e não notícias), atropelam o já conturbado e pouco prazeroso cotidiano.

Subindo a rua um toco de cigarro acesso sendo arremessado por um armário barbudo em direção ao meio fio atravessa o caminho natural de quem transita na via pela calçada.

Na sequência uma motocicleta, das grandes, desce na banguela evitando a contramão. O piloto e o carona deslizam velozes impávidos pelo calçamento de pedras portuguesas, desviando e fazendo cara feia pros pedestres que circulam indo ou vindo do metrô.

Na esquina o vermelho da sinaleira não intimida o motorista do buzão. Nenhum sinal de uma simples intenção de reduzir a velocidade, nem mesmo ao passar pela faixa de segurança do cruzamento movimentado.

Esses eventos ocorreram num curtíssimo espaço de tempo. Menor que uma performance tiktokeana, quiçá no espaço de uns 5 stories instagrâmicos.

Diante dos alertas deu pra sentir que era melhor seguir pelas sombras das amendoeiras coloridas pelo outono por ruas menos movimentadas em direção a um lugar em que pudesse sacar o caderninho.

Não vou dizer onde para não dar margem ao argumento de que este é um texto “localizado”. Nem pensar! Como eu e meu celular essa escrevinhação desligou (não, desativou como é correto definir) o modo localização.

O que me interessa é o sol. Esse, que brilha em qualquer lugar e, ultimamente, cospe fogo e ondas magnéticas em direção a nosso já tão combalido planeta. E nem pense em jogar a responsabilidade dos calorões, incêndios, enchentes, chuvaradas, nevascas e afins no astro rei. Os protagonistas dessa tragicomédia somos nós, estúpidos, inconsequentes e prepotentes seres humanos.

Qual um dominó gigante chutamos, não apenas a pedra original das mudanças climáticas, como ainda jogamos as peças para servir de lenha na fogueira do desastre quase irreversível.

Tá vendo porque tenho evitado manifestações croniquescas?

Não é que não queira dar o recado. É que sei que, para a maioria, ele entra por um ouvido e sai pelo outro sem nenhum grau de assimilação. Não há argumentos que se sobreponham aos fatos e nem a esses estão dando a mínima bola.

Por isso, o que (ainda) me faz escrever é deixar para o futuro algumas observações desse momento único da história contemporânea. Aquele em que o ser humano parece ter ligado, com o perdão da palavra, o phoda-se!

Para o golpe anunciado que se aproxima. À entrega da Amazônia a bandidos e redes internacionais, (sob os quepes dos militares que deveriam defender o território, mas ocupam cargos burocráticos em gabinetes e estão mais preocupados com suas candidaturas a políticos profissionais, onde o butim é maior e não deixa rastros). Para mais um passo da agonia do Pantanal, carimbada com o arcabouço legal ardilosamente tramado pelos deputados da Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

A aprovação do PL 561/22   libera a pecuária extensiva em áreas de preservação e capricha nas alterações de pontos chaves para a manutenção do bioma. Sabe o que falta para virar lei? A assinatura de Mauro Mendes, o garimpeiro cria de Blairo Maggi, agraciado com título de “Motosserra de Ouro” que, em breve, voltará a pontificar nas paradas de sucesso.

As barbaridades explodem como os humores do sol magnético. E, sim, deixarão sequelas permanentes.

Cá entre nós, queria muito ficar em silêncio e me “localizar” em minhas visões, normalmente tão poéticas e otimistas…

Mas, quer saber? Não dá. Pelo menos enquanto houver uma única chance de não nos entregarmos aos dementadores que circulam livremente para tirar nossas esperanças de dias melhores.

É hora de pecar por excesso, não por omissão!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Chega de saudade

Texto e foto (acervo) de Valéria del Cueto

Querida amiga.

Cartinhas sinceras andam em alta por aí. Então, é por meio desta que dou notícias para lhe dar algum conforto e, se possível, deixá-la um pouquinho feliz.

Consegui essa autorização porque é véspera do seu aniversário e, depois de muito argumentar aqui nas camadas celestiais, venceu meu argumento de que se Mato Grosso não deveria perder Luiz Soares, você, menos ainda, merece carregar essa tristeza. Justamente agora. Foram dois anos de pandemia. O que impediu, inclusive, uma comemoração digna da virada dos seus sessenta anos…

Resumindo: aqui é Fátima Sonoda trazendo com exclusividade (como você gosta) notícias da chegada do Cabeção nas bandas do Além. Pensa que foi suave na nave?

A demanda começou quando avisaram que ele era a bola da vez. A mai-or disputa para definir que iria recebe-lo. Fila, Valéria. Foi no voto que escolheram o portador da novidade para um espantado Luizinho, com trilha musical e tudo! Imagina quando ele deu de cara com Tancredo Neves dando as boas-vindas.

Foi o eleito ao jogar na mesa o fato de que Luizinho era o secretário geral do diretório do MDB de Mato Grosso. O que fez a indicação do seu nome para concorrer nas eleições indiretas de 1984 depois da derrota da emenda das Diretas Já. Dante de Oliveira tentou entrar na disputa, mas Ulisses Guimarães e Dona Mora pesaram da escolha.

Na discussão aproveitei para lembrar da ida a Brasília para acompanhar a votação da Emenda das Diretas quando foi detido nas barreiras rodoviárias! Luizinho apresentava sua carteira de deputado estadual e todos olhavam para aquele garoto de 24 anos, sem acreditar que era um parlamentar! Na época, o mais novo do país.

Sabe quem coordenava a comissão do “senadinho” para recepção aqui do outro lado? A escolha ficou entre referências políticas de Luiz Soares como Mário Covas, Franco Montoro e Sérgio Motta… Guaraci Almeida e Paulo Ronan nas articulações.

Não sobrou pra ninguém. Deu Jorge Bastos Moreno na cabeça. Também, ele apelou para Durval, do dormitório de Santo Antônio de Leverger. Aquele pacú recheado com farofa de couve… a cocada de sobremesa. Feitos na lenha, que aqui não falta no andar de baixo. O primeiro a votar foi Ulisses Guimarães, que adora as iguarias.

Moreno, amigo de infância de Luizinho, nem precisou apelar a todos os seus infinitos argumentos, checados e confirmados com as fontes mais quentes do céu, purgatório e, por que não, do inferno…

Olha, Valéria, claro que houve o susto que todos sentem na passagem. Mas é só até chegar à conclusão de que, tirando as exceções previstas, o ditado “partir dessa para melhor” é mais que uma simples expressão.  Trata-se uma constatação científica que alguma alma rebelde, porém bem intencionada, enviou numa mensagem para ser disseminada no plano terrestre.

Luizinho, por exemplo, já chegou com sua estrutura montada. D. Sueli cuidando do gabinete, Nélson Ribeiro na assessoria de imprensa, Guaraci articulando vibrações para parques nacionais, mananciais e povos indígenas. Não precisa dizer que aí tem minha sabedoria oriental para conduzir esse processo fazendo a ponte com o gordo…

Amiga, pensa em Dindinha e Vó Mita tecendo um manto de amor. Sem mencionar a família. Começando com Dona Filhinha e seo Oscar Soares. Ele, enviando fachos energéticos de orgulhosa aprovação pelo filho que Luiz sempre foi. Trocava recuerdos celestiais com Lindberg Nunes Rocha sobre Poxoréo e Alto Garças.

Lembraram da primeira lei de acessibilidade de Mato Grosso, da primeira CPI proposta contra um governador no Brasil, da relatoria da Constituinte que, com um substitutivo integral, seria uma das mais modernas Constituições Estaduais do país.

Todos o receberam muito bem se dividindo para criar vibrações positivas para sua passagem. Dei alguns palpites. Você me conhece, né? Um em especial. A trilha sonora de sua chegada. Ninguém entendeu nada. João Gilberto, seu ídolo, sem ninguém pedir já sentado no banquinho aqui em cima afinava o violão esperando o silêncio absoluto pós Nina Hagen que abriu o percurso. A gente sabe a diversidade do gosto musical que ilumina aquela alma eclética…

Na literatura, aqui tem de tudo. Um mundo para ele. Mas tive que procurar no fundo da biblioteca a coleção de Tex Willer, verificando se não eram os exemplares que Lorenzo Falcão, pra implicar quando ele estava acidentado na adolescência, arrancava as últimas páginas e deixava sem final.

O ritual de passagem não poderia estar completo sem nossos abraços apertados. Os de João Canrobert, Chico Amorim e o meu! Ciceroneamos Luizinho até a parte esportiva do complexo. O deixamos nas mãos de João Batista Jaudy prometendo voltar assim que sua forma estivesse adaptada a essas novas paragens. O que esperamos, seja em breve. Temos muitas descobertas para apresentar a ele.

Vou terminar por aqui que o papel de carta é limitado. Deixo lembranças, meu apelo e incentivo para que você, e tantos outros que têm em Luizinho um exemplo, não desistam das lutas que travam por aí. Especialmente pela saúde e o SUS, meio ambiente (ela é bióloga!) e a democracia.

Vocês perderam um guerreiro. Ainda têm um exemplo a ser seguido, admirado e sempre lembrado. Uma inspiração nesses momentos tão difíceis.

Um sopro de beijo e um cheiro de terra molhada do cerrado no ar pra você e Lorenzo.

PS: Esqueci do recado. Avisar à Lídia que Charles está bem…

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

A marola e a borboleta

Texto e foto de Valéria del Cueto

Ah, cronista enclausurada. Aqui fala aquele extraterreste, Pluct Plact, cada vez mais possuído pelos (maus) hábitos humanos, nessa corrida louca para ver que chega primeiro (e ultrapassa) a perfeição tão imperfeita da humanidade.

Um desses maus hábitos, mas não o pior, é deixar sem notícias a amiga que tanto me preveniu sobre o, digamos, desapego suicida dos ocupantes desse planeta.

Registro aqui que estou perdendo para a tal I.A., a Inteligência Artificial. Ela, agora, fala pelos mortos! Assimila as características e responde aos vivos como se fosse do além! E eu que duvidei de sua análise, a mesma que a levou ao isolamento voluntário nessa cela. Fiz questão de ganhar o mundo em busca de argumentos e informações sobre o desenvolvimento planetário. Hoje, trago notícias. Não as que gostaria de dar, mas as que dispomos.

Para começar de forma amena, finalmente deixamos de ser lendas e passamos a existir! Tudo registrado numa audiência no Congresso dos EUA sobre… OVNIS. Já se fala, inclusive, na existência de alienígenas em Júpiter. Acharam algo parecido com um umbral na paisagem de Marte. Isso é bom? Seria se o assunto não fosse tratado como um caso de defesa. O que os demais ocupantes do universo como… atacantes!

O que esperar de líderes que, do nosso último contato para cá, não satisfeitos em atravessarmos a epidemia da Covid-19, ainda começaram o que pode ser a terceira guerra mundial?

Só esse fato, o ataque da Rússia a Ucrânia, já dá uma ideia de quanto tempo faz que não chego a sua cela levado pelo raio de luar que entra pela fresta da janela. A guerra já dura três meses. Por causa dela o deslocamento de civis da Ucrânia já ultrapassou a casa os 6 de milhões de pessoas. A Rússia foi cancelada pelos países da OTAN e a maioria da União Europeia. O bagulho anda tão doido que a Finlândia e a Suécia deixaram de lado a neutralidade e pediram para entrar na OTAN. A Turquia está vetando o acesso. Putin retalia cortando o fornecimento de gás e energia para, entre outros países, a Alemanha. O Mac Donald vendeu suas 800 lojas na Rússia!

O castelo de cartas da economia mundial está desabando. A inflação galopa, o abastecimento rateia. De combustível, alimentos e outros produtos. Instabilidade é a sensação geral, cronista.

Estou querendo parar por aqui essa missiva porque as novidades só vão piorar. É em meio a pandemia, ilusoriamente quase controlada, que ressurge uma nova ameaça, a varíola dos macacos (que dos símios só leva o nome) e se espalha por vários continentes para disputar com as cepas da Covid-19. Essas que conseguiram romper as barreiras e atingir a população da Coreia do Norte, onde hão há cobertura vacinal contra o vírus. A China? Até lockdown em Xangai!

Se lá está assim, no Brasil as coisas não andam muito melhores. As eleições se aproximam e quem chega antes é o terror. Depois do Jacarezinho, a nova chacina do Rio de Janeiro para chamar de sua é a da Vila Cruzeiro, com 23 mortos. Dias antes de policiais rodoviários federais de Sergipe transformarem a caçamba de seu veículo em câmara de gás e matarem um motociclista “detido” por falta de capacete. Não há limite para a barbárie, amiguinha.

Estou citando casos pontuais registrados no banco de dados da minha nave. Todos enviados para as bases interplanetárias quem monitoram o planeta!

Eu, Pluct Plact, pergunto: como argumentar contra as possíveis medidas de “defesa” que os humanos pretendem tomar em relação aos demais habitantes do Universo? Dialogar com quem, em que termos?

Nem a natureza aguenta mais tantas agressões. Iakecan, o ciclone, as chuvas torrenciais no Nordeste, o frio fora de hora…

Por isso, é bom manter seu o isolamento, depois daquela fuga quase secreta carnavalesca. É melhor não fazer marola nesse momento. Sabe lá o efeito borboleta que ela pode causar?

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Enfim, o título da Grande Rio ! Fala, Majeté ! !

 

Texto e fotos de Valéria del Cueto

“Fala Majeté! Sete Chaves de Exú” mostrou que o caminho para o título tão almejado nunca foi o do luxo e dos famosos que faziam a fama da Grande Rio.

O pote de ouro no final do arco-íris estava bem ali, nas ruas, nas feiras, no carnaval, nas encruzilhadas, na história de Estamira, a catadora de lixo com problemas mentais, retratada no documentário de Marcos Prado, no Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, que conversava com o orixá pelo telefone.

A façanha inédita era o objeto de desejo da comunidade de Duque de Caxias, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, desde que a Grande Rio ancorou definitivamente no Grupo Especial, em 1993.

Seu desfile seduziu o público presente no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Ficará na memória como um dos mais empolgantes do… século!

A nova iluminação da pista cantada em verso e prosa é, para dizer o mínimo, um desconforto para o público nos intervalos entre as apresentações. Ninguém via ninguém entre as idas e vindas erráticas dos fachos de luzes e a troca das cores performáticas do equipamento composto por 144 moving lights, 144 projetores de led, duas mesas de controle DMX, rede de controle, 24 quilômetros de fibra, etc, ao custo aproximado 16 milhões de reais.

Nos desfiles a luz fixa, mas irregular, dificultou os registros de vídeos e fotos e, com desenho luminoso antes e depois das escolas, se perdia a profundidade das imagens. Prejuízo geral. Especialmente para quem pagará a extravagância desnecessária gerada por meio de uma Parceria Público Privada: o povo carioca.

No quesito sonorização, em vez de excesso, houve ausência de qualquer melhoria no sistema. Esse, sim, um gargalo que a organização do carnaval não consegue solucionar, apesar de ser elemento essencial ao desempenho das agremiações e solicitação recorrente.

As deficiências foram minimizadas pelas saudades sentidas por milhares de componentes e o público, ávidos por sentirem, novamente, brotar a energia do amor incondicional que o Desfile das Escolas de Samba desperta em cada folião.

DESFILE DAS CAMPEÃS

Foi por um décimo que o Salgueiro ficou entre as 6 escolas do desfile das campeãs. Desbancou a Mangueira, com o mesmo número de pontos da Mocidade, mas uma posição acima pelo critério de desempate. “Resistência”, o enredo de Alex de Souza, é um libelo à força da raça, à luta do povo negro e suas conquistas.

Resistência segue na fita da segunda escola a se apresentar, agora em sua forma orgânica, o Baobá. “Igi Osè Baobá”, enredo da Portela, fala do pilar que une o céu a terra, a árvore da vida, da… resistência. A porta-bandeira Lucinha Nobre, vencedora do Prêmio Estandarte de Ouro, desfalcará a escola de Madureira. Indo dar um beijo em seu irmão durante a passagem da escola que fechou a disputa do Grupo Especial, no sábado, Lucinha quebrou o pé.

Esse irmão é Dudu Nobre um dos autores do samba sobre Martinho da Vila que deu o quarto lugar à Vila Isabel num desfile pra lá de animado. Saudar a vida e a carreira do compositor só poderia ser dessa maneira. Uma festa familiar e popular na avenida.

Essa animação vai continuar com a Viradouro, a terceira colocada. Talvez, sem estar numa disputa, o delicioso samba da “carta sincera” possa ser levado em um andamento um pouco menos acelerado, o que tornará a passagem da escola de Niterói mais leve e solta.

O quilombo nilopolitano ocupará a Sapucaí ao som inconfundível da voz de Neguinho da Beija-Flor impondo, mais uma vez, a força da comunidade que quase levou mais um título com o enredo de Alexandre Louzada “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”.

Conhecida como a escola dos globais e do glamour, foi com a chegada de dois carnavalescos que estreavam no grupo Especial, Leonardo Bora e Gabriel Haddad, que a Grande Rio deu uma guinada na temática de seus enredos. Se voltou para o próprio universo, foi vice no último carnaval. Bateu, mais uma vez, na trave com o enredo sobre o famoso babalorixá Joãozinho da Goméia. O samba dizia: “Eu respeito seu amém, você respeita minha fé”.

Não por acaso o tema deste carnaval foi lançado no dia 13 de junho, dia do orixá Exu. A divindade é o senhor dos caminhos, a energia do movimento que a igreja sincretizou em demônio, em ser do mal. Desmistificar essa visão era um dos objetivos do enredo caxiense que levantou a Sapucaí. Levou o campeonato, o primeiro da Grande Rio.

O desfile das Campeãs do RJ será transmitido no sábado, pelo Multishow, a partir das 21:15h, horário de Brasília.

Ordem dos desfiles:

Salgueiro, Portela, Vila Isabel, Viradouro, Beija-Flor e Grande Rio.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “É carnaval”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

Sacode a poeira !

Texto e foto de Valéria del Cueto

Então… Sabe o minidesfile das escolas de samba, a Abertura Rio Carnaval 2022, na Cidade do Samba, durante o carnaval? Falei nele no último texto publicado. Não fui. Não me pergunte o porquê. Ficaria no vácuo essa resposta. Só posso dizer como. Apesar de ter pedido o credenciamento antes mesmo dele ser aberto, ter renovado a solicitação no prazo determinado e reenviado novamente após apelar a quem de direito, fiquei a ver navios.

E assim estamos até hoje, caro leitor, olhando o mar e tentando decifrar o motivo da recusa.

Vou confessar, a pancada pegou em cheio depois de dois anos de pandemia onde, por convicção e respeito, abri mão de todas as atividades carnavalescas. A Abertura Rio Carnaval seria a volta ao mundo do samba. Os motivos justificavam a largada. Para começar, comemorar o fim do bloqueio que durante a reclusão me impediam de mexer, como gostaria, no acervo carnevalerio.com.

A quebra da barreira do amor (in)contido havia acontecido no ensaio fotográfico com Jhéssyka Santtos, passista da Mangueira. Dias depois, já às portas do carnaval, ela traria ao mundo Jady. Mais uma flor, uma cria verde e rosa. Voltar à quadra vazia rompeu um dique de emoções represadas e, finalmente, estabeleci a meta de cair dentro da Abertura Rio Carnaval que aconteceria em seguida.

Sempre disse que essa história de fazer planos não combina comigo…

A outra razão para definir o evento como meta, pauta e capa do Diário de Cuiabá pós carnaval era, claro, ver como funcionaria o formato de minidesfile proposto pela Liesa.

Bailei na curva e, por isso, estou aqui justificando para você, leitor de tantos carnavais, não trazer imagens nem impressões da festa da Liesa, a largada do novo período do carnaval carioca que acontecerá em abril.

Tentei acompanhar pelas redes sociais, mas não consigo, com as informações fragmentadas, formar ou repassar qualquer opinião.

Também não acho justo quebrar, depois de tantos anos, o compromisso de colocar em suas mãos material exclusivo em texto e imagens, sempre acompanhado daquele alerta de que as impressões narradas eram as minhas e que, portanto, não falaria do que não vi, apenas do que passou diante dos meus olhos. A máxima continua valendo. O que não vi não posso analisar ou avaliar.

Nessa hora, não penso apenas nos leitores de Mato Grosso que acessam os textos e crônicas por meio do jornal e sites parceiros baseados lá e em outros estados.

Vou confessar: queria mesmo era contar o que (não) vi para Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, pelo Tribuna. Afinal, um novo formato mais compacto de desfile poderá ser adaptado à cidade na fronteira gaúcha que já tem uma robusta tradição de carnaval e, no momento, se prepara para um upgrade em suas estruturas turísticas com a vinda de muitos visitantes alavancada pela abertura de freeshops e um novo fluxo de turistas da tríplice fronteira.

Fica para o próximo evento que inclua os minidesfiles. Eles virão, tenho certeza.

Até lá, nada de promessas ou planos. Em abril haverá o desfile das escolas de samba no Sambódromo fechando um mega feriadão que começa na Semana Santa e termina no fim de semana de Tiradentes e São Jorge.

Como nos últimos 14 anos, pedirei credenciamento. Esse, o da Sapucaí, incluindo o colete para fotografar na pista, nunca me foi negado. Mas, pós pandemia, sei lá. Fiquei com trauma, depois do bloqueio.

O que prometo a você, querido leitor, é não deixar de pedir passagem e o acesso dos cronistas carnavalescos ao palco da festa para que haja um registro autoral da folia. Para que se preserve o espaço dos responsáveis pela criação dos desfiles que, por coincidência, aconteceu há 90 anos.

Até lá, firmo o compromisso que está ao meu alcance de voltar à Sapucaí nos ensaios técnicos. Aqueles que definharam, foram suspensos e voltarão, nos próximos finais de semana, com força total!

Tudo se renova… Por que não a fé em um inesquecível, mesmo que tardio, carnaval?

Evoé!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “É carnaval”  do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Nunca Mais

Texto e foto de Valéria del Cueto

Daquela altura tinha uma visão geral do ambiente em que estava. Amplo e cheio de coisas. Em primeiro plano via as costas da cadeira ergonômica (sinal de que quem a ocupava o fazia com frequência) antes da escrivaninha repleta de papéis, pastas e objetos. Entre eles um laptop que visualizava pelo alto do espaldar giratório. Mais à frente cadeiras para visitantes e um sofá voltado à parede formando outro ambiente. Ao fundo estantes, mais livros e a enorme tela da TV que abriu sua visão para o mundo lá fora. Um janelão à direita. Para trás não via nada, espremido entre outros exemplares de literatura.

Não sabia seu nome, posto que era incapaz de se olhar. Não era gordo, achava, como via outros nas estantes que decoravam as paredes frontais. Mas, pela posição que ocupava, deduziu ter algum valor. Estava ao alcance das mãos do “patrão”. Era constantemente manuseado. À vista quase inevitável dos visitantes curiosos que por ali passavam. E eram muitos.

Devia conter, imaginava, alguma erudição. E essa era ampliada pelo que apreendia em seu subconsciente literário pela tela em frente. Era testemunha involuntária da história que se desdobrava a cada dia no recinto por meio daquela imensa, diversificada e louca janela pra o mundo.

De tudo que viu preferiu a alegria. O momento mais esperado era o carnaval. Seu interesse começou quando numa madrugada se (ou)viu no ritmo de uma batucada e, nas imagens projetadas, apareceu a imensa alegoria de… um livro aberto! Um irmão gigante incrustado num carro repleto de foliões. Para descobrir o que fazia ali, no meio da festa, prestou atenção às cenas que quase saiam dançando enquanto reverberavam pelo ambiente, quebrando a severidade da vizinhança na biblioteca.

Então um livro podia alcançar o mundo! Passou a observar todos as escolas de samba ávido por novas expressões literárias nos desfiles. Se sentia representado e valorizado. E lá estavam eles, em vários enredos apresentados. O período carnavalesco era ansiosamente aguardado nos anos em que pontificou com whisky e salgadinhos no salão aconchegante.

Um dia, a surpresa. Uma mudança imprevista! Não o entra e sai da estante para uma consulta ou a espanada semanal. Da prateleira para a escuridão de uma caixa fechada e, pelo som, lacrada! Que destino o aguardava? Perdeu a noção do tempo.

Sua visão foi ofuscada quando pode respirar ar puro novamente. A rearrumação foi numa estante de metal, com mais folga entre os irmãos. A visão do entorno completamente diferente. Livro empilhados, mesas, muito movimento. Ouviu dizer que fazia parte de um acervo doado a uma biblioteca de comunidade. Mais uma vez ganhou lugar de destaque. Sinal de sua relevância. Afinal, descobrira. Era um exemplar da Constituição Federal! Passou a viver manuseado e consultado.

As notícias do mundo exterior não mais chegavam. Pegava umas rebarbas por cima dos ombros dos celulares dos frequentadores. O que não era muito em se tratando de uma biblioteca. Passou a entender mais de games do que acompanhar as novidades. E sentia falta… dos carnavais. Ausentes pelo fechamento do espaço bibliográfico popular nos dias de folia.

Com o passar do tempo foi se desgastando naturalmente. Sentiu as juntas ressecadas, as folhas se soltando. Pressentiu que seu fim estava próximo pedindo a Deus só mais um carnaval, nem que fosse no compacto da quarta feira de cinzas, dia da apuração.

Não teve forças nem estrutura para chegar sequer ao meio do ano. Se despedaçou. Foi literalmente desfolhado e, com as capas e lombada, jogados numa caixa. Fechou os olhos. Imaginava que para sempre quando o conteúdo da caixa foi sendo encharcado folha por folha com um líquido pegajoso. Se entregou. Desfaleceu.

Recuperou a consciência ouvindo o som da bateria e o rugido da arquibancada aclamando a verde e rosa. “Como assim”, pensou, “onde estou, o que sou?” A lucidez foi voltando devagar. Envolvida na alegria reverberando ao vivo e a cores! Ainda havia vida em suas páginas. Usadas que foram para empastelar uma escultura carnavalesca. Fazia parte de uma alegoria num dos carros da Mangueira!

Cruzando por um dos telões que transmitiam o desfile da Sapucaí de rabo de olho (meio grudado) pode se situar. Seu desejo inimaginável fora realizado. Era um livro que virara o livro. Papel picado reelaborado para compor outra obra. Também literária. E, dessa vez, visual.

Na passada de olhar pelo telão conseguiu ler seus dizeres em letras gigantes: “Ditadura Assassin”. Franziu a sobrancelha (e livro tem?) Nunca mais. Fizera sua parte. Ajudara a impedi-la. Merecia a recompensa, decidiu, se deixando sacolejar até chegar a Apoteose ao ritmo da “Tem que respeitar meu tamborim”, a bateria da Mangueira.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “É carnaval” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Força Maior

Texto e foto de Valéria del Cueto

Esse veranico de julho é de lei! Andava com saudades. Danadas. Ano passado praticamente passou batido. Sem a relativa margem de segurança que a vacina e os protocolos proporcionam a ida ao Arpoador para usufruir do combo sol, sal e areia, mar, céu e calor no inverno ficou praticamente inviável.

Ano passado, disse, e sinto que você, leitor das crônicas do Sem Fim, entendeu a sutileza do recado.

Pois é, caderninho no colo, canga colorida, mochila com a alça presa no braço, havaianas viradas de barriguinha pra baixo, que é para não queimar os pezinhos quando for calçá-las na saída, e eis-me aqui. Caneta em punho riscando a folha pautada, texteando no Arpex, Ipanema, Rio de Janeiro, Brasil.

Mal comparando, o dia de hoje é como a pausa olímpica que encanta nossa rotina, agora nas ondas do fuso horário do Japão, no outro lado do mundo.

Um refresco emocional para quem está vivendo o reality show da pandemia que se desdobra em capítulos e reviravoltas na CPI da Covid, a estrela da política brasileira, que anda levantando a beira do tapete do sempre surpreendente cenário nacional.

É, tipo assim, um respiro em que temos ídolos olímpicos, histórias edificantes e até uma fadinha de verdade que leva a gente em seus voos saltitantes. Logo ali.

Aqui ao lado vejo pranchas sentinelas cujas sombras crescem surfando na areia ao cair do sol. Fotografo a mensagem. Sei lá, né? E não é que deu o não tão midiático Ítalo Ferreira na cabeça?

As férias um dia acabam, em todos os sentidos. Primeiro, voltam as aulas logo depois da próxima frente fria acabar com o refresco do veranico.

Talvez quando você estiver lendo essa crônica, o bicho frio já esteja chegando e pegando. No Sul, já quase é. O corre começou com chuvas lá para as bandas da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Mas pode ser que não… A esperança é a última a dizer “pode ir” a esse calorzinho delicioso. Como eu, ela não quer render-se às promessas de frio intenso, geada e neve!

Pensa num azul quase Caribe.  Um mar não muito pesado ainda se desvestindo da força das ondas pós ressaca. O sacode veio na última passagem de massa polar pelo pedaço, antes do sol se reinstalar para manter a lenda viva do veranico.

Pela ordem dos acontecimentos, todos agendados, após o frio quem retorna é a CPI. Vai embolar a programação com o (con)fuso olímpico!

Tem mais um monte de coisas acontecendo, mas só tenho ouvidos para os sons da praia onde se destacam as ladainhas dos pregoeiros que circulam na areia oferecendo seus produtos. A todos os apelos junta-se mais um item à cantoria. O atrativo é a facilidade do pagamento: “Temos PIX!!!”

Aí, chega aquela hora em que passa no miudinho a ideia que nunca devemos pensar, o que dirá formular. “Que dia lindo, o que pode dar errado?”. Pensei, levei, caro leitor, como sempre. Não, não foi o vento. Poderia entrar gelado, encarneirando o mar, levantando areia anunciando a mudança o tempo.

Foi mais simples e definitivo. Quando a cor começou lentamente a empalidecer e perder aquele excesso que sempre deixa marcas? Adivinhou, curioso? Não foi um céu sendo encoberto, nuvens, bruma ou maresia empalidecendo o azul. O azul desbotou as letras, a tinta da caneta que bordava as palavras.

Se despediu lentamente enquanto a maré subia avisando que era hora de recolher a canga, rumar pra casa e fazer o acabamento no restinho de palavras que falta para arrematar a escrevinhação. Rapidamente. Antes do início de outro amanhecer olímpico em Tokyo 2021. O sol ainda ilumina as pranchas para alunos de surf, o esporte em que somos os primeiros campeões olímpicos.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

À flor da pele

Texto e foto de Valéria del Cueto

O rendilhado dos raios de sol atravessando as folhagens se projeta nas cortinas cor de mostarda do quarto. Ditam a hora do primeiro movimento do dia.

Ainda é um esforço pequeno, apenas o suficiente para jogar o edredon de lado, chegar ao pé da cama e abrir as janelas deixando a luz solar que ultrapassa a borda da montanha entrar e aquecer a parede da estante e da escrivaninha, passeando ao lado do notebook detentor de escritos, imagens e segredos.

O murmúrio rouco e contínuo do riozinho predomina até os passarinhos começarem a algazarra intermitente entre as espécies que visitam a mangueira, a goiabeira as bananeiras e o bambuzal, do outro lado do fluxo da água, pirulitando entre as folhas e sacudindo os galhos, única forma de pressentir a dança das espécies que circulam na floresta.

É melhor nem respirar e evitar movimentos bruscos. Eles podem atravessar a cantoria e alertar a passarada da presença do ser estranho que espreita o espetáculo. Humanos assumidos não são bem-vindos na colorida e inquieta festa matinal, só os que aceitam a imposição da exigência da imobilidade e conseguem adequar o ritmo da respiração à sintonia da mãe natureza.

Até o acionamento da máquina fotográfica tem que ser delicado, nada brusco. Lento e seguro como o dedo no gatilho de uma arma. Que comparação terrível. Mas é verdadeira. O “tiro” da imagem não pode ser brusco. Tem que ser leve e constante. Quando se alcança essa afinidade os passarinhos quase fazem poses dançando, nesse caso, nos galhos e folhas largas do mamoeiro.

Depois é tempo de seguir o fluxo do riacho indo pela estradinha de terra que ladeia a água, cruzar a ponte de madeira, atravessar o gramado e, fazendo um esforço imenso para não se perder do objeto de desejo, evitar – não sem marcar a luz especial, a tentação de parar para “desenhar” com a máquina fotográfica as muitas flores e a vegetação. Elas tremulam com a brisa acenando suas cores em busca de atenção, o que desviaria o foco ainda não alcançado do projeto da manhã ensolarada de inverno.

As pedras do riozinho por onde a água cristalina brinca de deslizar é o destino quase inalcançável. São muitas as tentações. O guia sonoro fica mais definido a medida em que a aproximação da margem vai sendo feita. É o som da água que muda sua linguagem acrescentando tonalidades e notas, agora distinguíveis e estimulantes, diferentes do murmúrio rouco do despertar.

Tentar entender o diálogo das nuances do encontro das pedras com o serpentear aquático que forma cachoeirinhas, redemoinhos, ou se espreguiça nos remansos arenosos, é tão impossível quanto assistir um file turco sem legenda. Mal dá para distinguir o início, o meio e o fim das frases dos diálogos, o que dirá compreender as palavras. Traduzi-las então…

O fluir deslizante no leito pedregulhento é assim. A gente, no máximo, capta o sentimento, a energia despendida no movimento capturada pelos reflexos espelhados que mudam de cores e alteram suas múltiplas tonalidades dependendo do ângulo, da intensidade e dos caprichos dos raios de sol.

Pensa no que acontece, por exemplo, com o passar festivo das nuvens ligeiras que sassaricam ao sabor das brisas e correm quando fustigadas pelos ventos. Lembre-se que falamos de um dia ensolarado.

Tudo é leve. Profunda, só a percepção para acionar a camada da sensibilidade (capaz de detectar a sutileza dessas nuances) e a memória. Ela, que permite esse registro. Feito no inseparável caderninho que vai sendo escrevinhado sobre a canga que protege a pele do cimento da piscina de água natural, abastecida pela bica que vem da mina, exigindo atenção com seu som forte e constante.

Assim vai se derramando e ritmando as palavras dessa que é mais uma crônica @no_rumo do Sem Fim…

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM… delcueto.wordpress.

 

8.916.100.448.256 = 12¹²

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querida cronista. Que desafio virou trazer notícias pelo raio de luar. O que já foi prazeroso está se transformando num esforço hercúleo com variantes quase infinitas, como o vírus da Covid-19.

Se o semideus da mitologia grega cumpriu 12 trabalhos, no mundo contemporâneo eles não seriam multiplicados, mas elevados a sua própria potência (12¹²). Não precisa calcular esse número trilhométrico, amiga voluntariamente enclausurada, basta olhar para a nesga de céu da janela de sua cela e amplificar o número de estrelas que você enxerga para uma parte considerável da abóbada celeste e… voilá!

Assustei, né? Essa é a sensação que tenho e não consigo disfarçar (nem por uma boa causa) como é difícil manter-me fiel as conversa pelo raio de luar que a conecta com o mundo exterior.

As demandas intergalácticas são tantas! A tarefa de interlocução e tradução das pouco sutis intervenções humanas no curso dos acontecimentos dessa galáxia me consomem.

É muito complicado explicar aos seres extraterrestres que requisitaram minha expertise a velocidade e o rumo dos eventos produzidos pelos humanos, especialmente os de forma voluntária. Por exemplo: como e por quê alguém se acha no direito de lotear a Lua e, até, Marte? Quando eles, os visitantes, voltam seus sentidos para o conjunto da obra planetária as coisas se complicam mais ainda…

Quanto mais tento explicar que em meio a barbárie travestida de sofisticação tecnologia há, sim, um fio de esperança e a possibilidade de avanços da raça humana, mais os fatos me contradizem. É tiro, porrada e bomba para todos os lados.

Massas de refugiados, povos originários sendo atacados, dizimados e usurpados, grandes potências se enfrentado por um poder efêmero (como a história já cansou de comprovar), o número crescente de esfomeados e novas formas pouco sutis de escravidão. Claro que há, por parte de alguns poucos, um enorme esforço pelo bem comum. Porém, essa guerra está sendo perdida em várias frentes, infelizmente.

Cronista, eles não se satisfazem em causar destruição entre sua própria raça. Estão determinados a dizimarem outras espécies em prol de sua ganância insaciável. O planeta não está aguentando o impacto de tanta expropriação de seus recursos naturais.

A natureza reage e contra-ataca mandando alertas desesperados e mostra, por exemplo, com o vírus que evolui mais rápido que a ciência, quem dará as ordens no quesito evolutivo.

Não é possível que seres capazes de criar maravilhas partam para a ignorância de uma forma tão autodestrutiva. Só penso num personagem que você me apresentou quando, ainda cheio de ingenuidade, desembarquei por aqui. Santos Dumont, o pioneiro em fazer um objeto mais pesado que o ar voar (outros estavam chegando junto). Mas o que você me fez observar foi a decepção do inventor quando viu seu sonho virar uma máquina de guerra destruidora.

É isso que os deuses devem sentir em relação a sua criação, o ser humano. Por isso eles devem ter desistido da espécie. Os criadores abandonaram as criaturas. E eu, pobre Pluct Plact, não tenho mais argumentos para evitar o destino. Essa praga não pode se apossar de outros mundos!

O que me diferencia dos demais visitantes é que, na nossa osmótica convivência, quando aprendi a chorar também descobri um dos sentidos de amar, que é o não abandonar.

Por isso, me uno a você no seu silêncio e isolamento, (a forma mais digna de não se deixar vencer pelos inimigos, os arautos da morte de da destruição quando perdemos as forças), até que a sorte nos favoreça e, revigoradas, as energias divinas restaurem a sinergia natural de Gaia: a esperança no renascimento da vida…

*Essa Fábula Fabulosa é dedicada a Enock Cavalcanti e espero que responda a sua pergunta “vertical”

**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Ruptura

Texto e foto de Valéria del Cueto

Nem é preciso abrir os olhos. Basta aguçar os demais sentidos. Os sons não ferem.

O do fundo é contínuo. Água correndo nas pedras, mas não muita. Um murmúrio alto em tempo de pouca chuva.

Um pássaro solitário cantante e um grilo quase falante de tão animado discutem! Também dá para perceber a conversa mansa do bambuzal, mas só quando venta.

Nada de tecer comparações, que é para não precisar fazer um exercício de memória e transpor para o papel a tortura dos meses a fio de enclausuramento.

Os cheiros também são outros. Até o de comida, única possível semelhança entre os ambientes.

Terra, plantas, flores e frutos. Carambola. O de cachorro molhado também.

Sangue bom é um vira-latasss aventureiro e, quando volta das viralatices que podem durar vários dias, vem todo estropiado. E fedorento…

Mesmo sem nenhuma tentativa de aproximação escolheu a mesa baixa da varanda, junto ao interruptor da luz pra se recuperar das estrepolias.

Dependendo da direção do vento o cheiro de cachorro molhado chega até a rede que balança tão vadia quanto ele.

Quando o vento muda de lado as roupas penduradas nos varais próximos da lavanderia exalam um leve perfume enquanto secam num vai-e-vem. Tão preguiçosas ao sol do pé da serra.

O tempo do tempo mudou, mas continua sendo pouco, seja na cidade ou por aqui. Ainda falta tempo para fazer um monte de coisas, tudo no seu próprio tempo. Que urge, porém não se adianta.

A rotina agora é outra. Também marcada pelas risadas, correrias e a gritaria animada das menininhas felizes, sapecas e saltitantes que se sobrepõe ao cantar distante do galo equivocado. Sempre às quatro horas da tarde.

Daqui a pouco começa a esfriar. O sol está caindo cedo…

Ah! Tem o céu. É o mesmo. Só que o daqui é emoldurado pelas copas das árvores gigantescas que fazer um desenho aleatório e filigranado contrastando com o azul, o branco e o cinza plúmbeo, mais pesado.

Nessa época a chuva é pouca. Num amanhecer seus sinais eram visíveis nas gotinhas dançarinas refletindo a luminosidade que brincavam de quase cair pela beirada do telhado da varandinha.

Dava pra vê-las do posto de observação. Dava até para tentar igualar o ritmo das idas e vindas com a queda dos pingos.

Leva tempo para sincronizar os movimentos. E tempo, sabemos, temos só algum. Porém não para muitas gotas.

Pra acabar com a experiência bate um sopro de vento da nuvem de algodão que passa rápida. Não muito forte.

O suficiente para jogar por terra a brincadeira junto com a pingação se precipita da calha, reanimada com a água derramada pelas folhas das árvores em cima da casa.

O sol reaparece, as roupas tremulam na corda e o dia recomeça.

O tempo já não nos pertence. O dono dele é o cheiro forte que vem da cozinha. Sangue bom se anima, sabe o que o espera.

Hora de tomar um café…

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

 

 

O voto e o veto

Texto e foto de Valéria del Cueto

Alô, base. Aqui Pluct Plact em mais um relatório.

Esse não é para você, cara cronista voluntariamente distante desse redemoinho invertido que rodopia afundando tudo que nele se enreda. Entendeu a imagem? Explico. Aqui não é o Kansas, nem esse desastre recorrente vai te levar, qual Dorothy Gale, pelos ares com seu cãozinho Totó para desabar na terra dos munchkins. Nem, como lá, a casa voadora cairá em cima da Bruxa Má do Leste, esmigalhando a malvada…

Por essas bandas quando se é pego pelo tornado a saída não está no alto, mas mais embaixo. Dele, o buraco, é quase impossível escapar. Não tem Glinda, a Bruxa do Norte, para dar sapatos mágicos, nem amigos para trilharem cantarolando o caminho dos Tijolos Amarelos. Muito menos Cidade das Esmeraldas… Apesar de, sim, termos um  Mágico de Oz e tudo que isso implica.

Estou tentando (eu disse tentando) destrinchar os últimos acontecimentos. Sem muito sucesso, confesso.

Só agora, por exemplo, o moço do topete laranja que comanda o maior país do mundo resolveu considerar levemeeente a hipótese de que pode ter perdido a disputa eleitoral para seu concorrente no início de novembro. Eu disse considerar a hipótese porque, como a esperança que é a última que corre, Trump está na base do “daqui não saio, daqui ninguém me tira”, dificultando a transição e acreditando que no dia da votação dos delegados algo inédito poderá acontecer. Como os democratas votarem nele!

Só agora… por mais incrível que pareça, dizem que a energia voltou ao Amapá, depois de 22 dias de escuridão, apagão, vaias, revolta e muita gente dizendo que o filho feio não era seu.

Só agora… descobriram milhões de doses de testes da malfadada Covid-19 perdendo a validade num galpão do Ministério da Saúde, em Guarulhos.

Como explicar o que dizem por aí aos colegas interestelares? Que o General alçado à chefia do Ministério chave por sua expertise em logística não corrigiu (dado aqui o benefício da dúvida, acho que ele não sabia o que havia no seu quintal) a falha na aquisição dos cotonetes de haste longa para a realização dos testes? Não acredito nessa possibilidade. E para explicar que tem mais testes perdendo a validade do que TODOS os que já foram aplicados no país?

É isso que você está lendo, cronista. Nunca foi tão pertinente sua disposição de se isolar nessa cela apenas frequentada por um raio de luar. Sabe por que? Porque a pandemia não dá trégua e o FICA EM CASA que todos os agentes de saúde bradam parece não fazer parte do reduzido (e agressivo) vocabulário do brasileiro em geral. Ele não sabe somar dois mais dois para chegar aos números assustadores da pandemia, nem tem tempo de aprimorar seu conhecimento literário. Afinal, quem aprende alguma coisa depois de partir dessa para melhor quase sem chance de repescagem?

Para finalizar, o tornado que enterra e passa por aqui se chama eleição. O segundo turno, especialmente. O momento em que o voto é essencial, mas perde sua beleza porque passa a ser veto. Quando o povo vai às urnas não para escolher o melhor, mas para impedir que o pior chegue lá. Não se discutem propostas nem programas! O que valem são as alianças, por mais espúrias que sejam, para garantir um “aqué” ou uma vantagem ali na frente. É um processo em que não se constroem sonhos ou discutem soluções. Parece que o único meio de chegar à vitória é destruindo a reputação do oponente…

Finalizo com uma reflexão baseada num de seus “amores”, o carnaval. Marginalizado, suspenso e a priori transferido pelas “ôtoridades” para julho de 2021.

Você vai gostar e, talvez, até botar seu narizinho pra fora disfarçada de Colombina. Cheguei a conclusão que Dona Coronga é uma foliã. Se considerarmos a festa uma manifestação que subverte a ordem (como a descrevem os teóricos e estudiosos), a Covid-19 está fazendo seu papel!  Em fevereiro acabará com as cordas cantadas no samba Plataforma de João Bosco e Aldir Blanc e o famigerado “caderno de encargos” do quase, quem sabe, prefeito Eduardo Paes, numa só tacada. E, é claro, não haverá como impedir o povo de ir às ruas, nem que seja no Bloco do Eu Sozinho, assim como é o momento de colocar o voto na urna. Mais carnavalesca impossível.

Uma pequena réstia de luz no fim do túnel? Só mesmo aí na sua cela, onde o raio de luar nunca falha…

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Rastreio de contato

Texto, foto de Valéria del Cueto

“Não vou, não quero…” E tem toda razão, cronista querida. Como sempre e mais que nunca eu, Pluct Plact, seu amigo extraterrestre de estimação, reafirmo e confirmo a sensatez de sua decisão de voluntariamente ocupar um espaço exclusivo no Pinel, do outro lado do túnel, se isolando desse mundão que se desconstrói a 360 graus de olhos vistos.

Não tem mais espaço para varrer para embaixo da ponta do tapete o desacerto geral. Foi ele, o desacerto, que criou a lei da razoabilidade. Ela se sobrepõe a lei literal quando a justiça morre pela boca da arrogância mal administrada. Ou lei é lei ou é mais ou menos.

Por essa porta escancarada André do Rap, o famoso traficante pouco elegante, saiu do presídio. Alguém esqueceu de pedir a renovação do pedido de prisão preventiva do traficante condenado em segunda instância.

Enquanto o ministro do Supremo o liberava, mediante um clássico perdido, avisando que iria para o Guarujá o agora procurado da Interpol rumava para destino incerto ou ignorado. Talvez Paraguay, quiçá Bolívia que não tem extradição, antes da contraordem do presidente do STF. Onde andará o traficante?

Isso, cara cronista, no feriado da Santa Padroeira do Brasil. Enquanto o povo, alheio a pandemia, procurava divertimento apesar das comemorações em Aparecida e em Belém, do Círio de Nazaré, estarem reduzidas e virtuais.

A inauguração da loja da Havan na capital do Pará, as cenas cariocas da balada no Leblon e o agito na Praia do Rosa, em Santa Catarina, comprovam que aglomerar é uma necessidade intrínseca e atávica do ser humano.

Justiça seja feita, o exemplo vem de cima. Bem de cima. O presidente americano, em plena campanha à reeleição praticando seu negacionismo prepotente em reuniões e comícios “covidou”. Precisou de oxigênio, quicou no hospital e voltou à corrida eleitoral contra Joe Biden.

Não adianta conjecturar sobre o resultado das urnas nos EUA. Lá, como aqui, Trump já avisa que vai dar defeito se perder.

O tiro saiu pela culatra. O argumento está dando um gás ainda maior nos eleitores democratas que, agora, trabalham para ganhar de muito. As votações já começaram e vão até 3 de novembro.

Se por lá as estratégias são altamente profissionais por aqui o momento eleitoral é de diversidade e de pluralidade entre os candidatos a prefeitos e vereadores dos municípios brasileiros. Tem de um tudo. Muito mais de uns do que de outros.

O bombardeio está apenas começando, mas já deu para avaliar que o jogo é duro, o combate bruto e os resultados imprevisíveis com tempero de covid-19.

Se o exemplo que vem de cima é deplorável, imagina o efeito cascata geométrico para quem está embaixo.

As máquinas da nave trabalham sem parar indexando os dados que chegam por todos os meios disponíveis. As redes estão poluídas por avatares, memes, clipes, denúncias e, claro muita fakenews.

Tudo, menos o que seria mais: propostas para melhorar a vida do cidadão e da sociedade.

Tinha acabado a mensagem que chegará até você pelo raio de luar que invade sua cela, mas duas últimas informações tiveram que ser acrescentadas.

Depois da afirmação de que “não existe corrupção no governo” a valorosa polícia federal deu uma incerta na casa de um senador vice-líder e descobriu dinheiro guardado na cueca do empregador do sobrinho do mandatário. Não darei maiores detalhes para não a constranger com detalhes escatológicos.

Parece que daqui a pouco haverá protocolo para o rastreamento de contato da corrução latente. Aquela, que, como a Covid-19, não escolhe a vítima, ataca indistintamente.

Para fechar, Lucho Arce venceu as eleições na Bolívia. Evo Morales comemora e prepara seu retorno à casa.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Espaço Alheio

Texto  foto de Valéria del Cueto

Era uma fresta do terreno do edifício. Uma nesga que sobrou do projeto arquitetônico, mais um quadrado ao lado do apartamento do porteiro no térreo. No princípio nem calçado o terreno era.

Ficava do outro lado do muro do espaço destinado à área de lazer do condomínio usada pela garotada que se esbaldava na “quadra polivalente” de vôlei, queimada, de pelada depois da praia…

Era ela, a bola, que fazia a gente explorar além dos muros quando ia quicar nas bandas do alojamento do porteiro ou pedir passagem para alcançar a casa ao lado, destino certo do objeto perdido.

O tempo passou, a vida seguiu e por muito anos não houve registro da evolução da ocupação ou adequação da área de recreação do prédio para a realidade que também se transformava. Humanizar, reinventar, verdejar? Só se for lá fora…

Numa das voltas que o mundo dá vem um retorno ao mesmo endereço. Um olhar aéreo da janela registra a aridez do ambiente que abrigou tantas brincadeiras, alegrias e gargalhadas. Um nada com fundo cinza escuro onde, no máximo, os carros dos moradores são manobrados. A feiura se completa pela moldura das paredes sujas que só quem mora no bloco de trás é obrigado a apreciar. A sindica, é claro, habita a ala que dá para a rua, cheia de árvores, movimento e vida.

O outro espaço, o da nesga anexa ao quadrado, virou bicicletário. E algo mais. É ali que os funcionários do prédio mantem um pequeno jardim. No espaço estreito, uma fileira de vasos com plantas bem cuidadas. No quadrado, agora pavimentado, fica a área das bicicletas penduradas embaixo de um meio telhado. E, rente a parede, um bucólico banco de madeira e ferro, desses de jardim. Com a permissão dos donos do pedaço uma ou duas vezes usufruí do banquinho quando queria estudar em paz e tinha, por exemplo, barulho de obras dos vizinhos invadindo o apartamento.

Depois de uma intimada, vinda após a declaração de que “importante é que o bloco da frente siga os padrões obrigatórios para não atrair a atenção dos fiscais da prefeitura”, as paredes da antiga área de lazer foram pintadas. Que avanço…

E veio a pandemia, e chegou o isolamento. Todos presos em casa. Incluindo as crianças da nova geração. Novamente as risadas, o barulho das rodas dos velocípedes, brinquedos coloridos. Não da parte triste e mal cuidada dos moradores (que exibe um piso sujo e desleixado), de quem vê a rua das janelas do bloco da frente. A animação infantil se localiza no jardim oculto dos empregados do prédio!

Um dia uma máquina de jato de água aparece limpando o pretume do piso do lado “oficial” abandonado. Ele muda de cor para tons de cinza claro e expõe as cicatrizes das obras feitas na garagem que está no subsolo.

Cheguei a ter esperanças na revitalização do espaço inútil. Dava para transformar num lugar bem aprazível. Caberia até uma horta, imaginava ingênua.

Dias mais tarde as vozes infantis subiram novamente. Elas vinham do jardim dos porteiros agora, em parte, coberto de grama sintética e adereçado com escorregadores, casinhas e outras alegorias infantis.

Em vez de cuidar da área que nos cabe foi mais simples e prático ocupar o recanto bem cuidado dos empregados…

Moral da história: Além de não cuidar do que lhes pertence tem os que sempre almejam e se apossam do que outros constroem com esforço e dedicação.

Agora, amplia a fábula (dessa vez pouco fabulosa) e “modula”, por exemplo, para a reforma administrativa…

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Quem me navega

Texto, foto e vídeo de Valéria del Cueto

Ah… querida cronista voluntariamente recolhida em sua almofadada cela do outro lado do túnel. Cada vez compreendo mais sua atitude tão fora do comum na ocasião.

Nosso conhecimento vem daquela época quando – lembro bem – Eike Batista orgulhosamente ancorava seu iate na Enseada de Botafogo. Cheguei a mencionar (acho que foi a primeira tentativa alienígena de fazer uma piada) a proximidade dos dois alojamentos. O dele, al mare, e o seu, no PINEL.

Tanto tempo sem comparecer ao encontro transportado pelo raio de luar que ilumina, pelas barras da janela, sua morada e eu aqui fazendo rodeio para dizer que estou quase lá, com mais de 80% de download de humanidade. Seja lá o que isso significa.

Tenho visto coisas que Deus não só duvida, como qualquer divindade do bem abomina. Feitas descarada e monetariamente com seu santo nome usado em vão. Tipo tirar dinheiro de impostos devidos da boca do povo carente e mergulhado na crise. Acredite, falam de bilhões. No Rio de Janeiro, Bezerra da Silva é uma das poucas unanimidades. Se gritar pega ladrão, a começar por todas as esferas do poder público, em todos os níveis, não fica quase nenhum, meu irmão.

A incorporação quase geral e sem precedentes desse, digamos, “way of life” veio com uma reação planetária visceral aos abusos cometidos e alertas não atendidos. Foi no enjaulamento compulsório coletivo que houve um passo decisivo para nossa mútua adaptação. O encarceramento provocado pela Covid-19 é o exemplo e, agora, a desculpa para os tropeços provocados pelo chega pra lá que o planeta nos dá.

Do macro ao micro os fatos estão aí para provar para quem quiser conferir. Quem nos navega, já desvendou o poeta, é o mar de dúvidas e incertezas em que estamos mergulhados. Presos, no máximo, a uma boiazinha ligada a sabe-se lá o que no meio desse denso nevoeiro.

Me incluo nessa, um extraterrestre que se comunica por um feixe de luz lunar com uma cronista reclusa. Que mar, maré, marola é essa? Explica aí para Pluct Plact, aquele que não consegue forças em seus motores para atravessar a barreira de ozônio? É tipo um movimento cósmico do contra que impede – não, modifica, o rumo dos planos imaginados e decisões tomadas. Não, ninguém vai por aí…

E vale para os grandes e pequenos projetos. Das viagens interplanetárias aos relatos que andam escassos para você, amiga. Não navego nem o meio ideal para emendar essas palavras. Queria o caderninho para manter seu ritual, me conformei em digitar, mas a sede de cócegas da aspereza da caneta no papel venceu. Deu uma pernada na máquina. Ela acabou rateando.

Eis-me aqui, escrevinhando afeto e evitando as notícias em geral. Jurei que não vou me aprofundar nessas questões, mas não posso deixar de inserir informações que situem esse relato no tempo e no espaço.

Mais uma vez estamos envolvidos pela fumaça das queimadas. Elas fazem parte do rol de proezas dos fanáticos negacionistas. Não há fogo, vacina não é necessária e sim, a terra é plana. No caso das queimadas da Amazônia e do Pantanal até general, vice e presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, faz parte do bloco da Nega Luzia, a que queria tocar fogo no morro. Nero anda tocando harpa por aqui enquanto observa o preço do arroz chegar nas alturas. Estamos importando! Cá pra nós é apenas a ponta do iceberg. Já se avista nas alturas o milho das rações, o trigo do pão e o algodão das roupas. Aí meu etanol!

Os sinais da passagem, tempos atrás, de várias patrulhas visitantes de outras galáxias foram observados em diversos pontos do planeta. Agora não se ouve mais falar das incursões. Como a esperança é a última que “morde”, atribuo a falta de contato visual as dificuldades de adivinhar os sinais no meio do fumacê. Minha mensagem para meus companheiros está pronta para ser encaminhada pelo primeiro alienígena que cruzar o radar embaçado da nave mãe. Nela, peço passagem e carona no rabo do cometa para dois. Lhe incluo nessa, já aviso.

Até lá, vamos seguir devagarinho deixando o mar dos acontecimentos navegar como se fosse nos levar. Será pra onde?

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Quem vem lá ?

Texto e foto de Valéria del Cueto

Hoje o assunto é a bicharada, mas não a da Flotropi. A que me cerca nesse isolamento da Covid-19. Bem aqui, na quebrada da Bulhões, quase Sá Ferreira, em Copacabana.

Depois de meses de reclusão tudo vira motivo de observação para um olhar treinado, porém acostumado as imensidões e horizontes vastos, como os das Pontas do Leme e do Arpoador.

Comecei procurando o céu pela janela do apartamento. Continuei ampliando a dimensão do voo das gaivotas e urubus que ficam rodeando o maciço do PPG (os morros do Pavão, Pavãozinho e o Cantagalo), ou cruzam de leste para oeste e vice-versa, dependendo dos bons ventos seguindo a orla carioca, na cobertura do prédio.

Pelo telhado também passam pombos, mas esses não circulam em bando, não têm um desenho de voo tão harmonioso e preferem voar mais baixo, procurando comida.

Fico pensando como estão se virando com menos gente nas ruas e, principalmente nas praias. Era lá que eles bicavam os resíduos deixados pelos “generosos” banhistas nas areias.

Também recebo a visita de um ou dois bem-te-vis. Sempre dão uma paradinha numa antena de TV de antigamente, encravada entre parabólicas de canais de HDTV.

Já consegui fotografa-los uma vez, mas costumo ser lenta no desenrolar da abertura da bolsa em busca da câmera. Foram muitas as vezes que os danadinhos me escaparam enquanto me enrolava nos zippers e cordéis da sacola de telhado, uma bolsa de praia com o conteúdo adaptado para as necessidades do banho de sol nas alturas.

Em casa costumo das bom dia a um bem-te-vi que passeia entre as floreiras das janelas. Ele saltita entre a azaleia e o pé de camélia cheio de botões que, sabe-se lá por que motivo, nunca desabrocham.

Aqui começa, justamente nele, meu exíguo contato com o mundo animal. Me dedico (sem muito sucesso) a diminuir o vai-e-vem de micro formigas que circulam e botam ovos nas folhas e brotos do pé de camélia.

Quando apertei o olhar descobri que os antúrios também andam nas mãos do exército de formigas! Minha estratégia será partir para uma pesquisa em busca do formigueiro central. Como não tenho fumo de rolo, estou lavando as folhas das plantinhas com água e sabão de coco, pra ver se espanto os batalhões.

Foi esse olhar microscópico que me fez localizar os caramujinhos e minhocas. Agora, nas plantas da área de serviço.

Essas tomam menos sol. O local é ideal para samambaias e outras espécies que preferem locais mais sombreados e protegidos do vento do mar que encana por entre os prédios.

A gente também recebe visitantes!

Outro dia, nos maços de verduras orgânicas que vieram do mercado, apareceu um mini grilo. Um filhotinho perdido. Deu até para gravar sua passagem aqui pelo quinto andar, bem verdinho e olhudo.

Partiu e, dias depois, me deixou outro “grilo”. Dessa vez na cabeça, com a notícia das nuvens de gafanhotos que passeiam pelo sul da América do Sul. Teria sido um aviso?

Bom, a última novidade foi o aparecimento de Joanita, a joaninha. Justamente no dia 25 de junho, dia de… São João, ela deu um giro pelas floreiras das janelas.

Se for um sinal, meu desejo mais profundo é que seja alvissaro. Estamos todos precisando de boas novas.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM…  delcueto.wordpress.com