Dois fragmentos da pequena “grande narrativa” que tem sido a renúncia e substituição de Joseph Ratzinger no papado chamaram a atenção deste desprevenido escriba. O primeiro foi a cena do papa renunciante subindo num helicóptero rumo a seu retiro espiritual; o segundo, sua declaração de que houve momentos de seu reinado pontifício que “o Senhor parecia estar dormindo”. Ambos remetem a uma sensação de incompatibilidade entre a crença religiosa e o mundo contemporâneo. E, antes que venham com seus rótulos os comentadores de artigos sem os ler, fique esclarecido que a própria abordagem do tema aqui, ainda mais partindo da leitura de dois filósofos que defendem a crença na divindade, desautoriza qualquer comentário organizado em torno da palavra “ateu”.
Bento XVI de helicóptero. Ninguém seria besta de fazer o papel do Tentador e perguntar por que “Sua Santidade”, há menos de uma década o sucedâneo dos inquisidores de antanho, não voou por conta própria para Castel Gandolfo. Mas é uma imagem incômoda o dito procurador do Cristo zanzar pelos céus no ventre de uma criatura tão representativa do que existe de mais anticristão, a tecnologia que torna crescentemente dispensável e imponderável qualquer intervenção sobrenatural na vida dos homens. Se o helicóptero caísse, o que diriam as pessoas? Que Deus havia castigado o pontífice boné-pedinte ou que o acidente era uma prova da investidura ilegítima do bispo de Roma como sucessor de Pedro? Ou que besteira outra?