Por Rúbia Luz, texto e fotos
“Em algum lugar, pra relaxar
Eu vou pedir pros anjos cantarem por mim
Pra quem tem fé
A vida nunca tem fim
Não tem fim
É”
O Lugar
Geograficamente, a Tribo Arco-íris fica na direção leste do Município de Porto Velho- RO, área rural, pela Estrada da Penal, próxima a localidade do baixo-madeira conhecida como Cujubim-grande, mais precisamente em frente ao lago Cujubim. O lago é protegido pelos moradores do entorno contra a pesca predatória e a favor da preservação da floresta. Há poucas informações disponíveis sobre a Tribo Arco-íris nos veículos de pesquisa. Apesar disso, trata-se de uma comunidade muito conhecida entre os viajantes e mochileiros de vários países.
Sua existência e informações são passadas no “boca-a-boca” e, via de regra, os viajantes descobrem a localização por meio de um outro que já esteve ou se encontra por lá. A distância é significativa e não há placa indicativa. Ainda assim, pessoas do mundo inteiro passam por lá e por lá ficam o tempo que desejam, numa comunhão e conexão que transpõem as barreiras da língua, das culturas distintas e da diversidade humana. É um lugar com poucos recursos materiais e abundante em recursos humanos e afetividade.
Os fundadores do lugar são uma família voltada para a espiritualidade, que acredita e vivencia um modo de vida alternativo. Em relação a questão religiosa, são adeptos da doutrina do Santo Daime, com base cristã e crentes no reencarnacionismo, tendo como ritual o uso do chá de mesmo nome. No que se refere ao modo de vida, defendem uma vida simples, com muita liberdade, respeito e partilha, sem preocupações com o consumo.
Deste modo, aceitam a presença de pessoas que ali desejam estar pelo tempo que pretendam ficar, bastando para isso que contribuam com a limpeza e organização do lugar, bem como com a compra de alimentos que são todos repartidos. Em geral, as pessoas se cotizam, compram os alimentos e lá preparam e partilham. Aliás, como ainda não são autossustentáveis (ainda – eles frisam), este é um quesito de suma importância para o bem estar de todos; É de todo desejável a participação na compra de alimentos.
A cozinha é um espaço comum, de uso livre, bem como os outros espaços como lavanderia e banheiros também. Tudo é muito simples e rústico… Sendo privativas as barracas e as casas que eles mesmos constroem. Há energia elétrica, porém, não há internet nem televisores. Há um telefone, que poucas vezes é usado e há um lago em que todos se banham. Por vezes, ocorre de estarem coabitando cerca de cinquenta pessoas no local. Por vezes, bem menos… No entanto, a “superpopulação” é um problema devido a capacidade de suporte do local.
Estar ali, voltado para a espiritualidade não é obrigatório. Obrigatório, lá, é o respeito ao outro, a natureza e a vida! Ninguém precisa concordar com tudo mas o amor e a harmonia são cuidadosamente mantidos, como uma frequência em que todos devem estar sintonizados. Aqueles que, por alguma razão, não estão na mesma frequência, procuram por si outros caminhos. Assim me foi esclarecido.
Resolveu seguir, ir atrás, cara e coragem
Só que você sai em desvantagem se você não tem fé
Se você não tem fé”
O nome
Quando disseram a mim sobre o equívoco causado pelo nome do lugar eu os questionei sobre a razão de se chamar “Arco-íris”. Me foi dito que resultou de um conjunto de fatores: O primeiro e mais importante é religioso. Tem a ver com o “Arco da eterna aliança” de Deus para com os homens. O segundo e não menos importante motivo é que a representação das cores revela uma aceitação e união de pessoas de todas as nações.
O funcionamento
O modo como tudo acontece e vai se desenvolvendo, ali, tem relação direta e congruente com a forma de pensar a vida e a existência dos fundadores do lugar. A primeira vista me pareceu confuso e um tanto inusitado, pois as pessoas vão chegando sem convite prévio, se apresentando e lá permanecessem o tempo que desejarem, com crianças, bichos de estimação como cachorros, gatos e até peixinhos. Alguns levam suas barracas, outros constroem suas casas e convivem de uma maneira curiosa.
Pra te mostrar que a vida é linda
Dura, sofrida, carente em qualquer continente
Mas, boa de se viver em qualquer lugar, é”
Consumo x liberdade
Há tempos eu venho desacelerando a vida, adotando um modelo de vida menos consumista e, de certo modo, até minimalista. Há uns quinze anos eu adotei a ideia de ter pra mim o necessário e o suficiente. Isto porque eu tenho a nítida impressão de que o consumo se mantém sobre o prisma de falsas premissas; Ver como necessário o que não é. Achar tudo insuficiente, ou seja, é preciso sempre mais. Trabalhar incessantemente para consumir e se ver consumido…
Somos todos aprendizes na vida… Creio eu que estamos aqui, neste plano, para aprendermos a amar, posto que amar é o grande mandamento da minha fé. Por isso mesmo é que procuro olhar e ouvir sem julgamentos. Isto nem sempre é fácil. Não é tão simples despir-nos de conceitos pré concebidos quando as nossas crenças são confrontadas por realidades diferentes.
Outra coisa boa e curiosa que observei nas horas em que passamos juntos foi que essas horas são lentas… Engraçado como o dia lá parece longo e denso… Talvez porque não hajam distrações como televisões, computadores e celulares, a vida é tranquila como aquele grande lago. Uma música instrumental fica tocando suavemente, as crianças brincando pelo imenso quintal, gente namorando, gente conversando, gente rindo, gente por inteiro no aqui e agora, gente sendo gente
Contei, no início da postagem, que meu amado filho decidiu aportar por aquelas paragens e isso oportunizou a minha estadia mais prolongada com a Tribo. Antes disso, porém, as pessoas que me conhecem e que tomaram conhecimento dessa escolha – Temporária?- de Calil me questionavam sobre o modo de vida dos meus filhos. Sim, Caio também vive uma vida alternativa, produz artesanatos e também já pegou a estrada…
Conviver com escolhas alternativas de vida é, antes de tudo, uma questão de respeito pelo livre-arbítrio: Foi Deus quem deu… Quem somos nós para desejar impedir, conter ou modificar? Aceitar o outro pelo que escolhe ser – ou estar- é a expressão mais profunda do amor que decidimos conscientemente viver, ao meu ver. Eu os amo e os admiro por suas coragens e determinações. E, claro, não espero que todos concordem comigo! Amo pessoas que discordam, também. Discordância é cabível, aceitável e desejável, desde que seja respeitosa!
Na tentativa vã e pretensiosa de buscar uma definição para esse modo de vida eu perguntei ao meu filho: “São hippies?” e ele me disse: “Não…”. Insisti: “ São hipster?”. “Não tem rótulo, mãe…”- Ele me respondeu pacientemente. Depois de muito pensar, disse a ele que havia encontrado uma definição que os agradaria: “ São livres!”. Eles concordaram! Isso me fez lembrar Cervantes: ” A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a vida”
“Volte a brilhar, volte a brilhar
Um vinho, um pão e uma reza
Uma lua e um sol, sua vida, portas abertas”
Anjos (Para quem tem fé) – O Rappa
NR: Sempre tive vontade de escrever sobre a comunidade Arco Íris, mas apesar de conhecer a Tribo, achava que me faltava o embasamento necessário para exprimir tudoque vivi, vi e senti por lá. Daí me chega às mãos (aos olhos) esse impressionante e avasssalador relato da Rúbia Luz, desmistificando as bobagens de gente que nunca chegou perto mas que adora opinar sem conhecimento, sem mostrar as verdadeiras faces de uma experiência que vai na contra-mão da loucura que se vê no mundo moderno… Pedi licença à Rúbia para reproduzir o texto e suas belas fotos. Resposta dela : “Suas palavras me dão força para continuar escrevendo sobre o que eu acredito.” Resolvi então seguir com a máxima fidelidade o teor do seu post, respeitando inclusive a edição pessoal que Rubia fez do texto, fotos e diagramação. O seu querido Pasin, onde estiver, com certeza irá gostar…
B. Bertagna