Por Mariangela Aloise Onofre
De acordo com Bosi (1992), “cultura é o conjunto das práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social” (pág.16). Ainda de acordo com esse autor, nas sociedades urbanizadas a noção de cultura foi associada a melhores condições de vida, fato almejado por todas as classes e grupos sociais. A partir do séc XVIII a cultura foi associada à noção de progresso tecnológico, fazendo com que a cultura passe a desempenhar um papel central no que tange ao desenvolvimento das nações mais pobres. O ser humano, enquanto ser biológico possui funções orgânicas de alimentação, repouso, respiração, entre outras, que garantem sua sobrevivência. A forma como essas funções serão desempenhadas será dada, em última instância, pelas relações que se estabelecem entre o ser biológico e o ambiente, o que significa dizer que a permanência dos grupos humanos em seus ambientes será mediada pelo conjunto de significados, crenças, valores, formas de fazer e estruturar pensamentos e atitudes reunidos sob a noção de cultura. O processo de globalização envolve o progresso tecnológico dos sistemas de comunicação, possibilitando o acesso a diferentes sistemas de significados. A lógica da dominação econômica torna-se a lógica da dominação cultural, fazendo com que a o modo de vida dos mais ricos seja legitimada ideologicamente através da circulação de bens e produtos culturais desses paises pelos grupos economicamente mais pobres, que passam a rejeitar e marginalizar seus próprios sistemas de significação e conhecimento, pondo em risco as diferenças identitárias entre os povos, o que levou a elaboração da Agenda 21 da Cultura que afirma que a diversidade cultural é tão importante para a humanidade quanto a diversidade biológica, fator que nos remete imediatamente a uma necessidade de pensar sobre as culturas amazônicas como elementos a serem incluídos dentro da polêmica discussão sobre desenvolvimento sustentável, cujas contradições conceituais não nos cabe discutir neste ensaio.Segundo Loureiro (1995), a expressão cultural que usualmente é identificada como cultura amazônica, é aquela de predominância rural, localizada entre as populações ribeirinhas, repletas de imagens da floresta. No entanto, há que se considerar que a cultura urbana das cidades localizadas na região amazônica possuem peculiaridades diretamente relacionadas ao processo de ocupação da região e sua situação geográfica. Assim, entendemos que aquilo que chamamos de Amazônia não existe como unidade cultural e que os processos colonizatórios estabeleceram, a nível local, as mesmas relações depreciativas com a cultura nativa, da mesma forma que a cultura dos paises ricos se legitima em detrimento da cultura dos paises pobres, a nível global. Tal situação gera implicações na geração de emprego e renda, na formação de mão de obra, nos sistemas educacionais e na própria maneira de se relacionar com o meio ambiente. Além disso, a ausência de políticas que valorizem a produção cultural local, aliada a crescente expansão da televisão que passa a privilegiar como de melhor qualidade a produção dos grandes centros brasileiros torna a cultura urbana das cidades amazônicas profundamente marcada pela ausência de expressões culturais que delimitem os traços identitários que possibilitem traçar parâmetros para as ações de desenvolvimento sustentável, referenciado pelos números de crescimento econômico. Em um mundo em que a facilidade tecnológica torna os produtos cada vez mais semelhantes, somente as culturas que conseguem estabelecer o seu próprio diferencial (sua própria identidade) conseguem consolidar seu espaço competitivo no mercado. Finalmente, a leitura desses índices deve ser subsidiada pelas informações qualitativas, acrescentando à idéia de que a sustentabilidade deve contribuir também para a legitimação dos diferentes modos de vida das comunidades.
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso (Sampa – Caetano Veloso)
Os versos acima, extraídos da letra da música – Sampa, de Caetano Veloso descortinam com maestria o universo do impacto cultural causado pelo despreparo das pessoas em contato com outras culturas que não a sua. Uma xenofobia tênue, às vezes, porém radical e intolerante na maioria dos casos.
A escolha, não casual desses versos, deve-se a uma reflexão a respeito da diversidade cultural. Por que o narcisismo, em suas mais diferentes nuances, ainda permanece vivo nas sociedades atuais? Por que, por exemplo, temos dificuldades enormes para aceitar hábitos e costumes que nos são estranhos e, principalmente, por que a tendência é de classificarmos o que é diferente daquilo que vivenciamos no nosso dia a dia como feio, esquisito, errado, anormal?
Concordo 100 %, Nair. Abs